Como saber se tenho algum transtorno mental?

Entenda por que só um profissional pode diagnosticar transtornos mentais e conheça os 4 “D's” clínicos usados em avaliações psicológicas.

TERAPIASAÚDE MENTAL

Felipe Almada

10/5/20255 min read

Introdução

É natural se perguntar, em alguns momentos: “Será que o que estou sentindo é normal ou pode ser um transtorno mental?". Vivemos em uma época em que termos como “depressão” e “ansiedade” aparecem em conversas, nas redes sociais e até em propagandas. Mas é importante lembrar: nem toda tristeza é depressão, e nem toda ansiedade é um transtorno.

Sentimentos como medo, preocupação, frustração e desânimo fazem parte da experiência humana e, em certo grau, são até adaptativos. A ansiedade, por exemplo, nos prepara para agir diante de desafios; a tristeza pode sinalizar a necessidade de pausa e reflexão.

O que diferencia um transtorno mental de uma emoção natural é quando o sofrimento se torna intenso, persistente e compromete o funcionamento cotidiano. E essa avaliação não pode ser feita de forma isolada ou superficial: somente profissionais habilitados, como psicólogos, psiquiatras ou neuropsicólogos, podem realizar um diagnóstico.

Por que “normal” e “patológico” não são opostos tão simples

O senso comum tende a dividir o mundo em “normal” e “doente”, mas a psicologia e a psiquiatria mostram que a mente humana é muito mais complexa. A diversidade da experiência humana sempre representou um desafio para delimitar a diferença do "normal" para o "patológico".

Existem diferentes modelos que tentaram definir o que é considerado “patológico”, e todos enfrentam dilemas importantes.

1. Modelo estatístico: o que é raro é anormal

Segundo esse modelo, aquilo que se afasta da média seria “patológico”. Mas ser raro não significa ser doente. Ter um QI muito alto, por exemplo, é estatisticamente incomum — e, ainda assim, saudável. Esse modelo desconsidera o contexto e o significado da experiência.

2. Modelo da desvantagem adaptativa: o que dificulta a adaptação seria doença

Aqui, o foco é na capacidade adaptativa. Se um comportamento gera prejuízo na vida prática, seria disfuncional. Mas… e o padre e o militar? Um padre vive o celibato e, portanto, não irá passar seus genes para frente, um militar pode arriscar a vida em diversos contextos. Ambos se afastam do comportamento adaptativo (segurança, reprodutividade), mas exercem papéis socialmente valorizados e escolhidos de forma consciente.

Ou seja, nem todo comportamento “não adaptativo” é patológico. Ás vezes, é expressão de propósito ou valor pessoal.

3. Modelo da necessidade de tratamento: se precisa tratar, é doença

Parece lógico, mas é falho. Pense em uma gravidez: exige cuidados, causa desconfortos, altera hormônios e humor e, ainda assim, é um processo saudável, não patológico! Logo, precisar de cuidado não é sinônimo de estar doente.

4. Modelo do que é culturalmente aceito: o que destoa da cultura é patológico

Durante muito tempo, o que fugia do padrão cultural dominante era visto como sinal de doença mental. Esse modelo parte da ideia de que “normal” é o que está de acordo com os costumes e valores da maioria, e o que se afasta disso seria “anormal”.

Mas esse critério é profundamente problemático. Cultura não é neutra, e o que é considerado aceitável muda com o tempo e com o grupo social que detém o poder de definir normas. Historicamente, esse modelo contribuiu para estigmatizar minorias: pessoas LGBTQIA+, mulheres que questionavam papéis tradicionais, grupos étnicos marginalizados e indivíduos com modos de vida diferentes do padrão dominante.

O resultado? Experiências humanas legítimas foram rotuladas como “patológicas”, quando na verdade eram expressões de identidade, resistência ou diferença. Mesmo hoje, é possível encontrar ecos desse pensamento, quando, por exemplo, comportamentos, crenças ou valores minoritários são julgados sem considerar seu contexto cultural.

Por isso, é necessário uma abordagem culturalmente sensível, que reconhece a diversidade como parte natural da experiência humana e não como desvio.

O que realmente avaliamos: os 4 “Ds” da saúde mental

Para ir além dessas definições parciais, a prática clínica moderna considera quatro grandes eixos, conhecidos como os 4 D's: uma forma de olhar integral para a experiência humana.

1. Deviance (Desvio)

O comportamento ou experiência foge daquilo que é esperado para a idade, cultura e contexto da pessoa? Por exemplo, ouvir vozes pode é um sintoma comum de psicose, mas também pode ocorrer em contextos de luto intenso, privação de sono ou práticas religiosas. Por isso, entender o contexto é tudo.

2. Distress (Sofrimento)

Existe sofrimento emocional intenso ou persistente para o indivíduo ou causado a outras pessoas?

Esse é um dos critérios mais relevantes, pois muitas pessoas mantêm o funcionamento “aparentemente normal”, mas vivem em sofrimento silencioso. Por exemplo, alguém com Transtorno de Ansiedade Generalizada pode manter produtividade, mas às custas de tensão constante, autocrítica e exaustão.

3. Dysfunction (Disfunção)

Há prejuízo real no funcionamento diário, ou seja, no trabalho, nos estudos, nas relações, no autocuidado ou no lazer? Por exemplo: uma pessoa com depressão pode começar a faltar no trabalho, perder o interesse por hobbies e se isolar, mudando completamente sua vida antes desse quadro clínico.

4. Danger (Perigo)

Há risco para si mesmo ou para os outros? Isso inclui ideação suicida, automutilação, impulsividade grave, uso abusivo de substâncias, comportamentos agressivos, etc. Quando o perigo está presente, a prioridade é garantir segurança e suporte imediato, inclusive com encaminhamento a serviços de urgência, se necessário.

Como ocorre a avaliação profissional

Um psicólogo ou psiquiatra não se baseia em “achismos” ou testes rápidos. O diagnóstico é um processo clínico-analítico, que envolve:

  • Entrevistas estruturadas e semiestruturadas;

  • Observação do comportamento e relato subjetivo;

  • Aplicação de instrumentos psicológicos validados;

  • Levantamento da história de vida, fatores de estresse, eventos traumáticos e histórico familiar.

O objetivo não é “rotular” ninguém, mas entender a função e o contexto dos sintomas, para orientar um plano de tratamento eficaz e ético.

E se eu me reconheço em alguns sinais?

Reconhecer-se em um sintoma não significa que você tenha um transtorno. Transtornos envolvem padrões persistentes, intensos e prejudiciais, não episódios pontuais de estresse ou tristeza.

Por outro lado, se há sofrimento, dificuldade de lidar com as demandas do dia a dia ou prejuízos emocionais, vale buscar uma avaliação profissional. Mesmo que o diagnóstico formal não se confirme, o profissional poderá ajuda-lo (a) a melhorar sua qualidade de vida.

Conclusão

Saber se há um transtorno mental não é preencher um checklist de sintomas, mas entender o quanto aquilo que sentimos está interferindo em como vivemos.

Profissionais de saúde mental não avaliam apenas “o que há de errado”, mas o que precisa de cuidado, sempre com olhar humano, contextual e científico.

Se algo em você tem causado sofrimento, não espere chegar ao limite. Buscar ajuda é ato de autoconsciência e coragem.

Quer entender melhor o que está acontecendo com você?

Agende uma primeira sessão. Vamos conversar, compreender seu contexto e definir juntos se há necessidade de tratamento: sem rótulos, com acolhimento, escuta, ciência e respeito.